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Alquimia e Psicologia Analítica Junguiana

Atualizado: 6 de fev. de 2024

Um paradigma sobre vida e morte.

Da Alquimia Jung faz todo o seu processo de individuação. Por volta dos seus  45 a 50 anos, Jung começa a ter vários sonhos em que ele está envolvido com  questões da idade média. Investigando sobre isso percebe que a Alquimia teve sua  fase dourada nessa fase. Por conta disso, ele ficou mais de dez anos estudando e  vivenciando experiências alquímicas de imaginação ativa, acessando conteúdos do  inconsciente, gerando mais tarde o livro vermelho, o qual tem toda a influência  alquímica. 

Sua obra vai se tecendo à medida em que ele mesmo vai vivenciando o servir  ao Self. O fazer com que o chumbo, matéria densa, se transforme em ouro, no sentido  de se tornar uma matéria incorruptível, pura e áurea. Isso é um trabalho sagrado e é  nesse local de “laboratório” que faz confrontar a sombra, ressignifica a persona,  encarar o contraponto sexual, até encontrar a imago dei. 

Em todo esse processo de vida, onde o dissolve e coagula ocorre inúmeras  vezes, que se desenvolve o processo de ampliação da consciência. Quanto menos nos  permitimos adentrar no mar do inconsciente, quanto mais materialista e fixado no ego o  homem for, mais essa enorme dimensão inconsciente irá tomar conta através de  sintomas ou até mesmo de um surto psicótico. Por isso é tão importante olhar para o  inconsciente, para o Self e para todo o potencial criativo e evolutivo que há neles e que  precisamos cumprir nessa jornada de vida terrena. 

Na base da alquimia encontramos os quatro elementos: fogo, terra, ar e água.  Esses elementos também estão muito presentes na obra junguiana, como referência,  por exemplo, na tipologia junguiana. Dentro desses quatro elementos está a prima  matéria e toda possibilidade de transformação da vida.  

Para a alquimia tudo, sem exceção, está em evolução. A alquimia nos fala sobre  os grandes processos de transmutação: Nigredo (o mundo da sombra, da putefração,  caos, inferno), Albedo (estado de purificação), Rubedo (iluminação). A única  alternativa de sair do nigredo é enfrentar o mundo subterrâneo para poder sair  verdadeiramente transformado a fim de atingir a sua dimensão de profundidade de  alma. Para a alquimia esse enfrentamento é essencial: “Visita o centro da terra,  retificando-te, encontrarás a pedra oculta (ou filosofal) – V.I.T.R.I.O.L, em latim”. 

Todo caminho terapêutico é passar por esses ciclos: nigredo-albedo-rubedo. Esse caminho do Vitriol é ter que lidar com seus demônios (medos, mágoas, vazios, e  tudo o que mais incomoda o ser) para transformar e integrar tudo o que temos.  

A triste verdade é que a vida do homem consiste de um complexo de  fatores antagônicos inexoráveis: o dia e a noite, o nascimento e a morte,  a felicidade e o sofrimento, o bem e o mal. Não nos resta nem a certeza  de que um dia um destes fatores vai prevalecer sobre o outro, que o  bem vai se transformar em mal, ou que a alegria há de derrotar a dor. A  vida é uma batalha. Sempre foi e sempre será. E se tal não  acontecesse ela chegaria ao fim. (JUNG, 1965, p.85). 

Desde jovem, Jung entendeu que controle é uma ilusão do ego para dominar a  natureza. E era isso que os alquimistas entendiam: que a natureza é muito maior que o  ego. Se eu não tento controla-la, não corro risco de descontrole. Para a alquimia, “a  matéria-prima do mel é a doçura da terra, que reside nas coisas que crescem  naturalmente.” 

Podemos ser dominados e perturbados por nossos humores, ou  tornarmo-nos insensatos e incapazes de recordar fatos importantes que  nos dizem respeito e a outras pessoas, provocando uma pergunta: “Que  diabos se passa com você?”. Pretendemos ser capazes de “nos  controlarmos”, mas o controle de si mesmo é virtude das mais raras e  extraordinárias. Podemos ter a ilusão de que nos controlamos, mas um  amigo facilmente poderá dizer-nos coisas a nosso respeito de que não  tínhamos a menor consciência. (JUNG, pg25). 

E para que possamos atravessar as diversas fases da vida, precisamos passar  por diversas etapas. Segundo a compreensão alquímica, são sete etapas  suscintamente apresentadas: 

A primeira delas é a CALCINATIO. Em geral, a calcinação é uma demanda interna que está inflada. É uma fase de fogo. É uma operação para conseguir uma  transformação através do fogo. A SUBLIMATIO é uma operação que usa o elemento  ar, quando um sólido vira gasoso sem passar pelo estado líquido. Ele sai do fogo que  está corroendo para adquirir uma distância reflexiva, ou seja, poder olhar com outro  ângulo e fazer uma crítica reflexiva sem necessidade de uma sentença ou julgamento.  O ar vai ajudar no distanciamento das emoções para transformar. 

SOLUTIO representa um confronto do eu com o inconsciente, é um adicionar  água (sentimentos, valores) de maneira moderada para retornar ao conteúdo que foi  calcinado e sublimado. 

Após essa caminhada, a MORTIFICATIO, ou PUTREFATIO, representa uma  fase que gera grandes transformações, mas também é representada por muita dor. 

Geralmente há uma perda ou morte, ainda que seja uma morte simbólica. Nessa fase,  a pessoa precisa abrir mão de algo muito importante para a vida dela, deixar que algo  morra para que o novo possa surgir. A pessoa nessa fase sabe que precisa entregar  algo para realmente poder mudar, e isso é geralmente muito doloroso. 

A SEPARATIO é uma operação de separação, de discriminação, de perceber o  que é bom, o que é ruim, o que vale a pena, o que não vale. E por último a  CONIUNCTIO, a integração, que seria o casamento de novo, a integração dos opostos,  do sol e da lua, do positivo e do negativo, do bem e do mal, de tudo o que está dentro  do indivíduo, a luz e a sombra. A coniunctio é uma etapa onde algo se integrou dentro  da vida, dentro da sua estrutura. 

Cada vez que vamos refletindo e respondendo a esse movimento todo, vamos  evoluindo na percepção do sentido da vida (qual é nossa missão, o que estou fazendo  aqui), o qual nos questionamos em todas as fases, até chegarmos ao re-ligare,  preparação para a morte, fase de desapego. E é fundamental que a façamos.  

Sempre me impressionou o fato de que um número surpreendente de  pessoas não utilize jamais a sua mente, se for possível evita-lo, e  também que um número considerável o faça de maneira absolutamente  estúpida. Também espantou-me encontrar muitas pessoas inteligentes  e argutas em viver (tanto quanto se pode observar) como se nunca  tivessem aprendido a usar os seus sentidos: não veem o que lhes está  diante dos olhos, nem ouvem as palavras que soam aos seus ouvidos  ou notam as coisas em que tocam ou provam. Alguns vivem sem  mesmo tomar consciência do seu próprio corpo. (JUNG, pg 60). 

Conforme formos capazes de trabalhar internamente, maior a probabilidade de  vencermos os obstáculos da vida, integrarmos conteúdos, desenvolvermos o  autoconhecimento e termos uma vida mais rica. 

Precisamos refletir qual é a nossa relação com a vida e com a morte. É  interessante que o mesmo medo que se tenha na primeira fase da vida, fase de  construção, será correlato na segunda fase. A vida se encaminha para a morte, pois a  nossa condição principal é a de finitude. E o homem sabe disso, sendo essa condição  fonte de muita angústia. Por isso, a importância do sentido da vida é uma questão  fundamental para a dinâmica psíquica junguiana.  

A ideia de que a vida tende para um fim, não pode se tornar um impedimento  para realizar. Conforme Jung, a vida se encaminha para a morte, mas a vida  psicológica se recusa a se conformar com as leis da natureza. Para a alquimia, quanto  mais distante estiver o homem da natureza, mais doente estará. 

O tempo inteiro queremos um estado de repouso, como, por exemplo, estimular  alegria e repelir a tristeza. Ora, se a vida acontece em movimento, tristeza e alegria são estados naturais. A ideia de repouso é fugir da própria vida. Jung comenta que do meio  da vida em diante, só aquele que se dispõe a morrer conserva a vitalidade […] e  também que a recusa em aceitar a plenitude da vida equivale a não aceitar o seu fim.  Tanto uma coisa como a outra significam não querer viver. E não querer viver é sinônimo de não querer morrer. (JUNG, §800) 

É muito comum em situações de término as pessoas se segurarem ou se  apegarem a algo, mas a vida é movimento. A questão da morte provoca a busca real  de sentido, de quem se é, além de ser uma oportunidade de entender o que é a vida e  o que é a humanidade para nós (o que significa amar, realizar, se relacionar etc). É  através da morte que entendemos que fazemos parte de um todo maior. 

Da mesma forma que a trajetória de um projétil termina quando ele  atinge o alvo, assim também a vida termina na morte, que é, portanto, o  alvo para o qual tende a vida inteira. Mesmo sua ascensão e seu zênite  são apenas etapas e meios através dos quais alcança o alvo que é a  morte. Esta fórmula paradoxal nada mais é do que a conclusão lógica  do fato de que a nossa vida é teleológica e determinada por um  objetivo. (Ibid., §803) 

Referindo-se ainda aqui à mortificatio, operação da mortificação, que melhor  simboliza o morrer, implica também na sujeição das paixões e dos apetites, através da  abstinência. Esta operação está vinculada à humilhação, derrota, tortura, morte,  mutilação e apodrecimento. Todavia, essas imagens sombrias são um caminho para o  crescimento. Segundo Jung, a alquimia representa a projeção de um drama que é, ao  mesmo tempo, cósmico e espiritual, visando não somente ao resgate da alma do seu  praticante, como a salvação do cosmos. No começo desse perigoso processo,  encontra-se o dragão, o diabo, o espírito ctônico, a nigredo, a noite escura da alma.  Este encontro produz sofrimento, mas a partir da escuridão, nasce a luz. Até surgir a  aurora, o albedo. Ou seja, para o demoníaco deixar de ter existência autônoma e  passar a integrar-se profundamente à unidade da psique, no final do processo, deve  haver o insuflar da vida.  

Psicologicamente, a mortificatio indica que o princípio diretor da consciência do  ego está perdendo o poder, o conforto e a racionalidade. O que é precioso é extraído  após a mortificatio: o ouro, a pedra filosofal. Ou seja, nasce da morte simbólica de  certos traços do ego. E com a morte da impureza, da cobiça, do sujo, da paixão  obsessiva e culposa, com a retirada das projeções, pode-se chegar a uma luz. 

Em suma, o suportar consciente do conflito entre os opostos e o confronto com  as trevas é que vai verdadeiramente nutrir o self. Segundo Edinger, a mortificatio  representa literalmente matar, sendo a experiência da morte, que é a mais negativa 

operação de toda a opus alquímica. Todavia, é através dessas imagens sombrias que  chegamos a imagens altamente positivas de crescimento, ressurreição e renascimento. 

Conforme Edinger, o negrume refere-se à sombra e faz alusão à importância de  se ter consciência da própria sombra que, no nível arquetípico, considera que também  é desejável ter consciência do mal, porque a negrura é o começo da brancura, e  conforme a lei dos opostos, uma intensa consciência de um dos lados constela seu  contrário. 

“[…] A putrefação tem tamanha eficácia que anula a velha natureza, transmuta  todas as coisas numa nova natureza, e gera outro fruto novo. Todas as coisas vivas  nela morrem, todas as coisas mortas decaem, e depois todas essas coisas mortas,  recuperam a vida. A putrefação retira a acridez de todos os espíritos corrosivos do sal,  tornando-os suaves e doces.” (Paracelso, Hermetic and Alchemical Writings in  EDINGER, pg 167). 

E assim, com o sentido de morte, podemos sentir que a vida está aqui e agora, e  podemos trabalhar para que ela possa se revelar a cada etapa, pois uma vida sem  sentido, diz Jung, não é digna de ser vivida. Para ele, “a alma encerra tantos mistérios  quanto o mundo com seus sistemas de galáxias diante de cujas majestosas  configurações só um espírito desprovido de imaginação é capaz de negar suas  próprias insuficiências.” (Ibid, §815) 

REFERÊNCIAS: 

EDINGER, EDWARD F. Anatomia da Psique – O simbolismo Alquímico na  Psicoterapia. São 

 Paulo: Cultrix. 

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. 16ª impressão. Rio de Janeiro:  Nova Fronteira. JUNG, Carl G. A natureza da psique. Vol.8/2. Petrópolis: Vozes.

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